Meu caro colega,
A Semana de Estudos
2016 é essencialmente clínica, prática. Traz exercícios concretos
para terapeutas, para consultório.
Iniciará evidenciando localizações existenciais, pontos cegos, o quanto as resultantes, as consequências,
os sonhos distantes são parte do passado, do momento, ora mais, ora
menos, as medidas, as considerações sobre o
dimensionar. Muitos não percebem que em parte importante dos casos a
agonia que procuram afastar aos socos é o próprio batimento cardíaco
do coração que no peito deles bate em arritmia causada por imensa miopia das
obviedades. Há quem confunda sintomas e assuntos de outras
dimensões.
Uma das consequências
insidiosas é a que segue: o que acontece com algumas pessoas que
conhecem os caminhos, estudaram os modos e os contextos, sabem dos
cuidados, pesquisaram os desdobramentos, e, ainda assim, imbuídas
das promissoras matrizes, facilmente tombam existencialmente diante
de problemas mundanos para os quais elas tinham como elaborar e
encaminhar uma melhor sorte? O que acontece que logo elas que
descortinaram como tratar das questões existenciais, logo
elas tão docilmente sucumbem ao que anunciaram saber conhecer e
afastar...? Como podem dar um testemunho aparentemente paradoxal diante do que
acabaram de afirmar tendo os ouvidos atentos daqueles que acabaram
de aprender com elas ali próximos, tão próximos...? Ou isso seria
parte do ofício de um terapeuta em muitos casos- "ser infectado pelo
vírus que procura combater" - como disse uma médica que estuda a
Filosofia Clínica?
Considere um
terapeuta que discorre com fluência sobre como lidar com
tristezas, perdas, mas facilmente se queda a tristezas e perdas, e
outras coisas, e não um quedar-se como escolha, como opção, mas pela
coerção. Seria esta tendência um dos motivos que o levaria a
lidar com tais assuntos?
Não são poucos os
terapeutas que professam os melhores
ensinamentos, parecem erguer voo acima do sol da alvorada, e suas
vidas pessoais, íntimas, naufragam em desespero, em angústia, em
farsa pessoal. Uma coisa em nada diz respeito a estas outras? Uma
coisa justifica por contraste as outras, mesmo quando o discurso
nega tais oscilações? As contradições são as afirmações do
caminho? São ressalvas, são os modos de consolidação?
O quanto os
parâmetros de bem e de mal, de bom e de mau, de certo e de
errado, entre outros, poderiam atrapalhar os entendimentos de tais
assuntos?
Uma das respostas
possíveis, promissoras, para quando os caminhos forem instados para
outros parâmetros está nos conectivos em analíticas de linguagem,
pois em Filosofia Clínica um caminho doloroso, desagradável, não
significa necessariamente o pior percurso a ser recomendado.
Assim, a Semana de Estudos 2016 terá
como tema central os conectivos, os segmentos historiográficos cujos
percursos formam pontes entre situações existenciais e seus
endereçamentos. Uma opção para além dos discursos inevitáveis,
ordenados pela necessidade.
Explico: como as analíticas de linguagem, em
Filosofia Clínica, podem ligar o que você vive neste momento e os
anseios e disposições existenciais para um segmento não
necessariamente subsequente?
Como podemos ultrapassar a fenda do hiato quando for esta a
disposição existencial promissora e for essa uma escolha?
Existiriam pontes
pelas quais conteúdos poderiam migrar de modo a aproximar alguns dos
nossos
sonhos promissores mais belos, via pontes e estradas construídas por analíticas
de linguagem, sob o compasso da Filosofia Clínica, talvez também o
afastar desses horizontes rumo a outros endereços por causa das disposições submodais, tópicas ou categoriais?
Lembro de quando comecei a mostrar os
rudimentos das Autogenias. Muitos filósofos, médicos, psicólogos e
outros estudiosos se mostravam interessados, compreendiam a dimensão
e a importância de tais estudos. Muitos deles, afoitos, ignoravam
sem cerimônia os ensinamentos em torno de vizinhanças, sustentação,
composição, entre outros, e terminavam por desanimar.
E então eu lhe trago uma crônica final
que contei em minhas aulas há anos.
Um homem disse a um pequeno pássaro
amistoso:
- Eu tenho um sonho, pequeno pássaro
amistoso. Mas do sofrimento onde vivo até o meu sonho belo de
horizonte e redenção me faltam as asas.
O pequeno pássaro amistoso, em seu
galhinho primaveril, pareceu surpreso; logo em seguida, confuso.
Decidiu se afastar. Arqueou as asas, ergueu voo, contornou a árvore.
O pobre em sofrimento, lá em baixo, pensava: "eis outro egoísta
insensível que alcança os céus e não se importa com gente feito
eu...".
Muitos metros acima do chão, o pequeno
sentia a brisa, o sol, mirava as campinas verdejantes junto ao mar,
e pensava:
- Que criatura mais estranha é aquele
pássaro lá embaixo que não voa porque imagina que é um homem...
Meus caros colegas, a
cada um de vocês as minhas boas vindas a mais uma Semana de Estudos,
o evento mais antigo, mais longo, na Filosofia Clínica. Durante uma
semana caminharemos por areais, colinas, conversaremos ao pé da
lareira, estudaremos filmes, livros, teremos longas conversas.
Torres, a acolhedora aldeia na
praia, ao norte do Rio Grande do Sul, mais uma vez nos receberá
carinhosamente para os nossos estudos.
A cada um de vocês o meu carinho,
a minha gratidão!
Um grande abraço,
Lúcio Packter
Solar no centrinho de Torres.
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