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Prezado
estudioso de Filosofia Clínica,
Uma pessoa
(dessas que a vida não tratou com flores) descobriu algo peculiar: a
experiência do quase-amor.
Ela tem 40
anos, é médica, bem-sucedida, mora numa grande cidade do sudeste em
2025. Ou seja, vive cercada de concreto, prazos, buzinas,
notificações, boletos e a sensação moderna de que a cabeça nunca
desliga por completo.
Ao longo da
vida, ela atravessou decepções, frustrações e perdas importantes. Em
algum ponto disso, com lágrimas e chateações, começou a notar uma
ideia que a esmagava: "o amor está fora do meu alcance".
E isso a deixou muito triste. Triste de verdade, não triste de selfs.
Vieram
então aqueles sintomas que parecem estar em liquidação nos tempos
atuais: ansiedade, irritação, um cansaço que não melhora com
feriado. Sentimentos que ela tinha vergonha de admitir (sabe, não
é?Ciúme, inveja etc). Defeitos de caráter ou dores mal cuidadas? O
corpo também entrou na conversa: somatizações, apertos, intestinos.
E ela
passou a mentir com frequência. Primeiro, para se proteger. Depois,
por tantas razões pequenas (e algumas nem tão pequenas) que acabou
se perdendo no próprio labirinto. Como acontece com muita gente, a
mentira tornou-se rotina.
Amigos
próximos diziam:
- Para de
querer controlar. Para de manipular. Respira.
E era
verdade também que ela dependia demais da opinião dos outros.
Os
relacionamentos eram breves e ruins. Havia instabilidade, sustos, e
às vezes desespero.
Em certos dias, um vazio. Em outros, uma angústia.
Até que uma
coisa surpreendente aconteceu. A vida, de vez em quando, gosta de
fazer literatura.
Ela
encontrou um velhinho sentado num banquinho, numa pequena praça
arborizada. Desses velhinhos (como o Dr. Moshe Finkelstein) que
parecem não ter pressa; fizeram as pazes com os tempos. Ele puxou
assunto:
- Menina,
você já ouviu falar em quase-amor?
Ela nunca
tinha ouvido. E ele explicou: quase-amor não é uma grande revolução
nem uma epifania cinematográfica. É um método humilde, quase
doméstico, que começa com gestos mínimos e persistentes. Consiste em
dizer “por favor”, “obrigado”, “com licença”. Estender a mão (às
vezes literalmente, às vezes imageticamente).
...praticar
uma afetividade branda, não invasiva, sem exigir retorno imediato.
Inventar delicadeza com o mundo ao redor, mesmo que em conta-gotas
Parece
pouco? Parece.
Moralmente discutível? Talvez para quem prefere o “tudo ou nada”.
Mas foi justamente isso que a salvou.
Ela começou
a gostar de ser assim. Havia pessoas com quem isso era difícil,
quase heroico. Mas, aos poucos, o que era desagradável foi perdendo
força; aquele velho rádio ruim que vai ficando distante. E os
momentos agradáveis começaram a aparecer mais, lembravam as janelas
abrindo num apartamento antes abafado.
O mundo
dela foi, devagar, redesenhado.
Ela deu a
isso o nome de quase-amor.
Quase-amor:
uma experiência que se aproxima tanto do amor que, às vezes, é
indistinguível. Não é amizade. Não é empatia. Não é compaixão.
É quase… amor.
E o que
isso ajuda?
Ajuda a
cicatrizar. Reorienta a bússola interna. Dá uma chance de
compreender e tratar questões que antes pareciam distantes.
No nosso
estudo do dia 30 de dezembro, faremos um aprofundamento nisso:
amistoso, leve e hidratante.
Um abraço,
Lúcio

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