Arquivo com os Exercícios de Filosofia Clínica contendo as respostas comentadas:

A seguir, poema atribuído a Oscar Wilde e em seguida o que escreveu sobre o poema um jovem que enviou carta para Lúcio Packter.

 

Loucos e Santos

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

 

ilustração:

(programa Conversando com Lúcio Packter, transmitido diretamente de Inverness, capital das Highlands, Escócia, em setembro de 2011.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A carta intitulada "Uma resposta a Oscar Wilde" sobre o poema acima, assinada por D.:

 

Wilde escreveu que escolhe seus amigos pela pupila, são aqueles que fazem dele louco e santo. Eu não. Não sei se escolher é meu termo, mas com certeza não quero que ninguém faça de mim louco ou santo – eu é que farei de mim isso ou outra coisa, e até posso talvez que me façam assim de louco e santo.

Não quero que o outro me traga dúvidas, angústias, que agüente o pior de mim. Isso, aliás, seria o outro? Parece mais eu mesmo, coisa de espelho.

Se fosse meu querer, então que o outro seja o outro. Mesmo que este outro seja Oscar Wilde dizendo como quer que o outro seja.

Ao invés de escolher, eu digo que encontro meus amigos. Sim, encontro meus amigos e eles têm alma lavada, alma suja, alma de todo o jeito. Às vezes permanecemos, às vezes Oscar Wilde, às vezes outra coisa.

“Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto” – pensa ele. Eu não. Nem sei se quero que sofram comigo. Acho que isso não é comigo.

Meus amigos são metade de muitas coisas e podem ser metade da metade, mas não avalio ninguém por metades ou inteiros. Já tive amigos que nem amigos são, mas foram mais para mim do que alguns verdadeiros amigos – já passei por eventualidades assim.

Não preciso de amigos para saber quem sou, pois isso mostraria uma parte de mim sem aquelas partes outras que meus amigos não alcançam. Penso que para saber quem sou preciso de mim, de meu caminho, de meus amigos, dos inimigos e dos que não sei classificar como qualquer coisa também. Para mim, meus amigos são importantes, como são importantes as estrelas, os que destoam de mim, os que me chegam por engano, os demais.

Para Oscar Wilde, e para a Filosofia Clínica, a normalidade parece ser imbecil e estéril. Para mim, não. A normalidade me parece algo que me propicia um parecer sobre o que é razoável, provável, estatisticamente usual, para as coisas que necessitam disso para poderem existir e ser. Exemplo: a pressão dentro do pneu, não espancar crianças, a necessidade de descanso.

Encontro meus amigos e não sei se isso tem a ver com escolha. Provavelmente, não tem. Tem a ver com as questões e os elementos da existência que fazem ser assim. Isso pode ser para sempre, e para sempre às vezes dura cinco minutos.

 

D.

 

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