Rio de Janeiro,
16 de julho de 2003.
Divã filosófico
Filosofia clínica ganha adeptos no Brasil
Se o filósofo grego Sócrates estivesse
vivo, não entenderia porque a Filosofia restringiu-se tanto ao meio acadêmico.
Justo ele que, interessado nos conflitos humanos, levava o interlocutor a
encontrar as respostas para suas questões por ele próprio, através do diálogo.
Imbuídos desse mesmo objetivo, alguns filósofos estão assumindo a posição de
terapeutas. A filosofia clínica cria controvérsias, mas vem ganhando cada vez
mais espaço no Brasil.
Sobretudo durante a Idade Média, o conhecimento filosófico ficou restrito ao
sacerdócio e longe do povo. Somente na década de 80, o caráter terapêutico da
filosofia foi retomado na Europa. Nessa época, o filósofo brasileiro Lúcio
Packter conheceu essa nova prática, a adaptou e trouxe para o Brasil. Em 94, foi
criado o Instituto Packter, única instituição que oferece a especialização em
Filosofia Clínica no país, em parceria com algumas universidades brasileiras.
De acordo com Mônica Aiub, presidente da Associação Paulista de Filosofia
Clínica, o objetivo do método é fazer com que o indivíduo alcance o bem-estar
subjetivo, conceito que varia de acordo com a especificidade de cada um. Para
isso, são realizadas sessões, que duram em média 50 minutos. Inicialmente, o
filósofo ouve atentamente a história de vida da pessoa, desde o seu nascimento,
para analisar contexto, como ela se construiu e tornou-se o que é, e como age no
mundo. Essas informações formam a estrutura de pensamento do indivíduo. Com
isso, o terapeuta tem o embasamento para sugerir e levantar possibilidades
existenciais.
O diretor do Instituto Packter, Hélio Strassburger, esclarece que a Filosofia
Clínica não adota procedimentos clínicos "a priori". Os mesmos vão sendo
construídos de acordo com as necessidades de cada sujeito. "Não medicamos, não
internamos e não utilizamos tipologias para trabalhar com as pessoas", ressalta.
Também não são adotados conceitos como saúde e doença, cura, loucura ou
normalidade. Segundo Hélio, são conceitos políticos, como apregoou o filósofo
francês Michel Foucault. No método também não existe paciente, e sim "partilhante",
já que o indivíduo compartilha com o filósofo clínico a autoria do seu processo.
A fundamentação teórica inspira-se em diversos pensadores, como Sócrates,
Platão, Edmund Husserl, Merleau-Ponty, Wittgenstein, John Searle, Sartre, entre
outros. Engana-se, porém, quem imagina ser uma aula de filosofia particular.
Segundo Hélio, os textos constituem o embasamento apenas para que o filósofo
compreenda as questões existenciais. Desta forma, não é necessário que o
partilhante tenha conhecimento de filosofia. "Cabe ao terapeuta interceder em
favor do bem estar do sujeito, atuando em conjunto, estudando, analisando,
investigando e propondo procedimentos capazes de melhorar o seu existir. Neste
sentido, não é preciso que a pessoa saiba filosofia", esclarece o diretor.
O tempo do processo varia de acordo com o sujeito, mas a duração, em média, é de
8 meses. Segundo Hélio, aquilo que se denomina 'alta clínica', assim como todo o
tratamento, é uma elaboração conjunta. Em muitos casos, diz ele, o próprio
partilhante sente e percebe que a terapia já cumpriu sua função de qualificá-lo
existencialmente, na direção de suas buscas por um viver melhor.
Embora a Filosofia Clínica não seja psicoterapia, o método causa um certo
incômodo no campo da psicologia. O psicólogo Walter Firmo de Oliveira,
coordenador do Conselho Federal de Psicologia do Rio Grande do Sul, reconhece
que essa nova área não se propõe a ser uma terapia. "O filósofo clínico trabalha
com uma problematização de argumentos. O entendimento é mais intelectual",
define. Em contrapartida, ele acredita que o filósofo não possui o embasamento
necessário para realizar um tratamento e diz que ainda falta fundamentação
científica ao método. "A Filosofia Clínica é uma escola de seguidores que propõe
uma nova atuação para os filósofos", define.
Em 8 anos de existência, o Instituto Packter, no Rio Grande do Sul, formou cerca
de 2.500 filósofos clínicos no país. Todos eles passaram por
uma especialização Latu Sensu . O aluno participa de aulas,
seminários, congressos, estágios e de estudos de casos clínicos. Essa parte
teórica dura dois anos. Em seguida, ele passa por um período de supervisão, que
varia de seis meses a dois anos. Com o diploma na mão, o filósofo pode atuar em
consultórios, escolas, hospitais, além de prestar consultoria em empresas. Para
Hélio, além da forte atuação, o futuro mostra-se promissor na área. "É um novo
paradigma terapêutico que se oferece à sociedade", diz ele.