Rio de Janeiro, 16 de julho de 2003.

Divã filosófico
Filosofia clínica ganha adeptos no Brasil
 

Por Andrea Guedes


Se o filósofo grego Sócrates estivesse vivo, não entenderia porque a Filosofia restringiu-se tanto ao meio acadêmico. Justo ele que, interessado nos conflitos humanos, levava o interlocutor a encontrar as respostas para suas questões por ele próprio, através do diálogo. Imbuídos desse mesmo objetivo, alguns filósofos estão assumindo a posição de terapeutas. A filosofia clínica cria controvérsias, mas vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil.

Sobretudo durante a Idade Média, o conhecimento filosófico ficou restrito ao sacerdócio e longe do povo. Somente na década de 80, o caráter terapêutico da filosofia foi retomado na Europa. Nessa época, o filósofo brasileiro Lúcio Packter conheceu essa nova prática, a adaptou e trouxe para o Brasil. Em 94, foi criado o Instituto Packter, única instituição que oferece a especialização em Filosofia Clínica no país, em parceria com algumas universidades brasileiras.

De acordo com Mônica Aiub, presidente da Associação Paulista de Filosofia Clínica, o objetivo do método é fazer com que o indivíduo alcance o bem-estar subjetivo, conceito que varia de acordo com a especificidade de cada um. Para isso, são realizadas sessões, que duram em média 50 minutos. Inicialmente, o filósofo ouve atentamente a história de vida da pessoa, desde o seu nascimento, para analisar contexto, como ela se construiu e tornou-se o que é, e como age no mundo. Essas informações formam a estrutura de pensamento do indivíduo. Com isso, o terapeuta tem o embasamento para sugerir e levantar possibilidades existenciais.

O diretor do Instituto Packter, Hélio Strassburger, esclarece que a Filosofia Clínica não adota procedimentos clínicos "a priori". Os mesmos vão sendo construídos de acordo com as necessidades de cada sujeito. "Não medicamos, não internamos e não utilizamos tipologias para trabalhar com as pessoas", ressalta. Também não são adotados conceitos como saúde e doença, cura, loucura ou normalidade. Segundo Hélio, são conceitos políticos, como apregoou o filósofo francês Michel Foucault. No método também não existe paciente, e sim "partilhante", já que o indivíduo compartilha com o filósofo clínico a autoria do seu processo.

A fundamentação teórica inspira-se em diversos pensadores, como Sócrates, Platão, Edmund Husserl, Merleau-Ponty, Wittgenstein, John Searle, Sartre, entre outros. Engana-se, porém, quem imagina ser uma aula de filosofia particular. Segundo Hélio, os textos constituem o embasamento apenas para que o filósofo compreenda as questões existenciais. Desta forma, não é necessário que o partilhante tenha conhecimento de filosofia. "Cabe ao terapeuta interceder em favor do bem estar do sujeito, atuando em conjunto, estudando, analisando, investigando e propondo procedimentos capazes de melhorar o seu existir. Neste sentido, não é preciso que a pessoa saiba filosofia", esclarece o diretor.
   
O tempo do processo varia de acordo com o sujeito, mas a duração, em média, é de 8 meses. Segundo Hélio, aquilo que se denomina 'alta clínica', assim como todo o tratamento, é uma elaboração conjunta. Em muitos casos, diz ele, o próprio partilhante sente e percebe que a terapia já cumpriu sua função de qualificá-lo existencialmente, na direção de suas buscas por um viver melhor.

Embora a Filosofia Clínica não seja psicoterapia, o método causa um certo incômodo no campo da psicologia. O psicólogo Walter Firmo de Oliveira, coordenador do Conselho Federal de Psicologia do Rio Grande do Sul, reconhece que essa nova área não se propõe a ser uma terapia. "O filósofo clínico trabalha com uma problematização de argumentos. O entendimento é mais intelectual", define. Em contrapartida, ele acredita que o filósofo não possui o embasamento necessário para realizar um tratamento e diz que ainda falta fundamentação científica ao método. "A Filosofia Clínica é uma escola de seguidores que propõe uma nova atuação para os filósofos", define.

Em 8 anos de existência, o Instituto Packter, no Rio Grande do Sul, formou cerca de 2.500 filósofos clínicos no país. Todos eles passaram por
uma especialização Latu Sensu . O aluno participa de aulas, seminários, congressos, estágios e de estudos de casos clínicos. Essa parte teórica dura dois anos. Em seguida, ele passa por um período de supervisão, que varia de seis meses a dois anos. Com o diploma na mão, o filósofo pode atuar em consultórios, escolas, hospitais, além de prestar consultoria em empresas. Para Hélio, além da forte atuação, o futuro mostra-se promissor na área. "É um novo paradigma terapêutico que se oferece à sociedade", diz ele.