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REVISTA
REPÚBLICA ( março de 2000 ) República - Para Paul Veyne, todo historiador é implicitamente um filósofo - na medida em que tem de acabar decidindo, afinal, o que deve ser antropologicamente interessante. O senhor Acredita que todo filósofo também seja implicitamente um historiador? José Arthur Giannotti - Claro, somos historiadores das idéias sem fazer história das idéias. Nosso pensamento se cria pela reflexão de sistemas alheios, garimpando na tradição aquilo que nos diz mais de perto. Por isso essa devoção à análise estrutural de texto, que nos arranca do discurso cotidiano e nos faz ver as mudanças de aspecto que nutrem as significações de cada discurso filosófico. Mas, em contrapartida, sempre procuro o fio vermelho capaz de alinhavar essa descrição. Não acredito que haja uma história como matriz das idéias. Se não são as idéias que movem o mundo, também não são os interesses, pois estes aparecem articulados em jogos de linguagem particulares que também fazem história, embora se enraízem em condições históricas determinadas. Mas, entre a base material e o espírito, é preciso sempre descobrir o lugar da invenção. República - Um acúmulo inacreditável de ensaios, artigos, estudos e toda forma de bibliografia parece congestionar a produção filosófica recente. A impressão geral é que nunca, talvez, se tenha escrito e publicado tanto sobre aquilo que os franceses adoram chamar de “saber”. É uma tagarelice que soa quase compulsiva - embora não deixe de ser curioso que o objeto dessa compulsão seja, justamente, o conhecimento. A que o senhor atribui esse fenômeno? O senhor reputa o teor quase histérico dessa produção como algo de alguma forma saudável? José Arthur Giannotti - Pelo contrário. O atual modo de produção do saber filosófico é burocrático, cada idéia num paper, cada paper com uma idéia. Ora, me interessa a defasagem entre eles. Além disso, há vantagem e desvantagem de ser um filósofo na periferia do capitalismo. De um lado, somos varridos pelas vogas. O que sobrou da tralha produzida pela fenomenologia, pelo sartrismo, pelo althusserianismo e, agora, por esse discurso -baú, capaz de devorar qualquer problema sem dirigir sua gênese, que hoje assume a forma de habermasianismo? Quase nada. A voga é a morte do pensamento. E o filósofo contemporâneo é máquina de produzir ensaios, turista de congressos, membro de uma comunidade de troca de bens simbólicos desprovidos de valor real. As revistas de filosofia me aborrecem. Não pretendo estar up to date, leio o que posso, o que acrescenta algo ao que estou pensando, mas também me deixo levar ao acaso neste mar de destroços, sempre tendo os clássicos como ponto de referência e lugar de visitação. Não me preocupo em avaliar a envergadura de minha produção. Já aprendi a controlar minha imensa vaidade. Produzo textos como a pereira, pêras. E, se levanto bem cedinho para me colocar diante do computador, é porque essa é a única terapia que me resta diante desse mundo que me é cada vez mais decepcionante. Em suma, na periferia podemos observar melhor a vaniloqüência desses fluxos de pensamento e tentar um pensamento mais autêntico, embora tenda a se tornar uma ação entre amigos. República - A filosofia pode ser uma espécie de terapêutica pessoal - como na imagem estóica do filósofo como médico - ou ela está condenada a se conversar elegantemente estéril, no limite de sua indiferença analítica? José Arthur Giannotti - Uma terapêutica pessoal que tende a ser terapêutica social. Daí meu enorme interesse pela política. Não unicamente como forma de realizar um projeto, mas também como forma de conformá-lo, de mudar o aspecto do problema da miséria, da desigualdade social, dos preconceitos. Sobretudo dessa tendência inexorável de imitarmos uma civilização, a americana, que sabemos ser impossível para nós, tanto do ponto de vista do capital como do ponto de vista do meio ambiente. Somos o Ocidente, mas a caricatura no capital. Não há como ficar fora dele, mas sabemos que, dentro dele, não teremos espaço.
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