JORNAL CORREIO POPULAR ( maio de 1999 )
  Campinas-SP
  Artigo de Danielle Milarski

  NO DIVÃ COM PLATÃO

Grupo de Campinas adota a filosofia clínica e utiliza de grandes pensadores para resolver traumas existenciais.

Superar traumas com base nos pensamentos de Sócrates, nos conceitos de Platão, nas idéias de Aristóteles ou então na visão de Nietzsche. Os grandes filósofos da história da humanidade polemizaram na sua época ao defender suas verdades. Agora, a nova geração de intelectuais brasileiros levanta outra discussão ao não restringir a filosofia a poucos intelectuais que se dedicam ao estudo dos eternos pensadores. Eles estão usando as suas teorias como terapia, o que pode significar a socialização da ciência da sabedoria. A chamada filosofia clínica, criada há cinco anos no Rio Grande do Sul, está chegando a Campinas e já encontrou adeptos. O principal responsável por essa transformação é o filósofo gaúcho Lúcio Packter. Há 15 anos ele começou a fazer pesquisas sobre o assunto e há cinco abriu o Instituto Packter, que congrega 56 filósofos. Desses, oito profissionais - entre eles especialistas em idosos, doentes terminais e direcionados à área de recursos humanos - , clinicam. O grupo reúne ainda professores e pesquisadores. Segundo Lúcio, o filósofo parte da vida do seu “paciente” para ajudá-lo. “O próprio cliente precisa contar a sua história dentro de uma seqüência lógica. Ao fazer a contextualização, ele mesmo faz as relações do que passou com o momento que atravessa”, explica o estudioso. Diferente da psicologia, a filosofia não direciona a forma de reflexão. Em casos de doenças, Lúcio faz questão de enfatizar que o filósofo não prescreve remédios, como o psiquiatra. Apenas pode cuidar da alteração comportamental que a pessoa atravessa devido a alguma doença. Um ano após abrir o Instituto, Lúcio passou a dar cursos pelo País. Hoje a idéia se espalhou por mais de 20 cidades em 10 Estados brasileiros. São Paulo é o estado que mais tem profissionais estudando a nova proposta. Além de Campinas, há grupos na capital, em Marília, Ribeirão Preto e Sorocaba. Em Campinas, a primeira turma, com 14 alunos, se forma no final deste ano. As vagas para a segunda turma deverão ser abertas em agosto. O curso de especialização tem duração de dois anos e, em todo o Brasil, existem 480 profissionais envolvidos com a filosofia clínica. Mas Lúcio quer ir mais longe. Até novembro, a idéia é abrir uma primeira turma de filosofia clínica nos Estados Unidos. Ele garante que a idéia não existe fora do Brasil. “O mais perto que tem é a filosofia de aconselhamento, que existe há três anos nos Estados Unidos e na Holanda”, diz. A bandeira da polêmica está erguida. Lúcio reconhece que há muita contestação entre os psicólogos e psiquiatras, mas afirma que a idéia não é substituir outras formas de terapias ou tratamentos, e sim contribuir. “O filósofo é o pai da psicanálise, da psicologia, da sociologia, da medicina. Mas ele não foi um bom pai. Posso dizer que agora ele voltou para casa para contribuir mais com seus filhos. A maioria dos outros profissionais entende isso”, afirma Lúcio. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alunos de filosofia como William Pereira, 19 anos, contestam esta prática. “Na sala de aula não se fala muito nisso mas, pelo que eu sei, falta embasamento clínico. Acho que estão desvirtuando a filosofia”, acredita o aluno, que está no segundo ano de graduação.