|
Prodoctor - Revista Médica ( maio de 1998 ) Há quatro anos o filósofo gaúcho Lúcio Packter fundou um Instituto em Porto Alegre com uma proposta bastante diferenciada de tudo o que já foi desenvolvido em sua área no Brasil. Depois de dez anos de estudos e após a conclusão de seu curso de graduação na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Viamão, grande Porto Alegre, Packter criou sozinho a Filosofia Clínica. Naquela época, ninguém sabia do que se tratava - e até hoje ainda é uma teoria desconhecida da maioria. Ela foi totalmente idealizada por Packter, que escreveu dezoito cadernos temáticos para ministrar as aulas do curso que estava iniciando. A Filosofia Clínica se baseia em várias correntes filosóficas, como a pré-socrática, empirista, Filosofia da Linguagem, entre outras. Seu objetivo é o mesmo da psicanálise e da psicologia: ajudar as pessoas a resolver seus problemas. A forma de fazer isso, no entanto, é diferente. Num curso que dura dois anos - o último semestre é dedicado a um estágio prático - os alunos aprendem toda a teoria e ficam aptos para tratar os clientes. Aí já está uma primeira diferença: os filósofos clínicos não têm pacientes, têm clientes. - Não usamos conceitos médicos porque não somos médicos - explica Valério Hillesheim, formado no Instituto Packter, em Porto Alegre. - De acordo com Michel Foucault, expressões como cura, normalidade, patologia são consideradas por nós como termos políticos. O primeiro curso começou com 15 alunos na capital gaúcha, e hoje a sexta turma já está em andamento, sempre com o mesmo número de alunos. O crescimento da Filosofia Clínica no Brasil foi espantoso. Hoje há cursos sendo ministrados em Santa Maria (RS), Florianópolis (SC), Ribeirão Preto (SP e São Paulo, Guarapuava (PR), Toledo (PR), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Divinópolis (MG) Salvador (BA), Fortaleza (CE), Manaus (AM) e em muitas outras cidades. A Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, está organizando um curso de Especialização em Filosofia Clínica, e a Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, se prepara para fazer o mesmo no próximo ano. - O crescimento acontece porque uma pessoa vai falando para a outra - acredita Margarida Nichele Paulo, também formada em Porto Alegre. - O fato é que a mídia também ajudou, já que a novidade foi divulgada em vários jornais, emissoras de rádio e de televisão. Margarida ficou sabendo do curso de Lúcio Packter através de um cartaz, quando estava fazendo mestrado em Filosofia na PUC/RS. - Sempre achei que a Filosofia era prática e não só teórica - conta. Para se inscrever na primeira turma que foi formada, Margarida teve que correr. Como ela, cada um tem uma história, mas todos viram na Filosofia Clínica um novo caminho para a profissão. - Sócrates era um grande terapeuta - compara Margarida. - Ele nunca escreveu nada, só sentava na praça e conversava com as pessoas. O curso de Filosofia Clínica tem as seguintes disciplinas: esteticidade, filosofia da linguagem, lógica formal, antropologia, ética profissional, filosofia clínica, noções de fisiologia e de farmacologia, todas adaptadas à clínica. Os alunos não estudam, no entanto, autores como Freud e Lacan. - Não precisamos fazer isso porque já os estudamos na graduação - explica Hillesheim. Eles aprendem apenas a identificar o que é depressão, por exemplo, ou, no caso da farmacologia, estudam as reações que um remédio pode provocar em uma pessoa. - Quando identificamos um problema desses, encaminhamos o cliente a um psiquiatra, por exemplo - diz Ana Maria Retamar, formada em Porto Alegre, e que tem uma cliente que se trata, ao mesmo tempo, com ela e com um psiquiatra. - Não temos nenhuma restrição aos médicos e psicólogos - garante ela. O tratamento é feito em encontros do filósofo clínico com o cliente. Na maioria das vezes se realiza em consultório, mas pode ser feito em uma praça, caminhando, ou como o cliente preferir. Num primeiro encontro, o clínico pede que a pessoa conte sua vida de forma ordenada, com princípio, meio e fim. As entrevistas podem ser gravadas, com o consentimento do cliente. A partir de então, o filósofo clínico fará então primeiramente um levantamento categorial, ou seja, entenderá como o cliente está enfrentando o problema que está vivendo. Ao analisar a gravação, ele identificará a Estrutura de Pensamento da pessoa. O que equivaleria a apontar as maneiras como a pessoa funciona. - Então identificamos possíveis contradições ou choques na estrutura do cliente - explica Jarbas Bett, formado em Porto Alegre e coordenador do curso em Santa Maria (RS). O passo seguinte no tratamento é, através dos chamados submodos, estudas as diferentes formas de trabalhar essas contradições. Isso significa desconstruir o problema inicial. - É o cliente, no entanto, quem vai fazer isso, se ele quiser - diz Bett. - É a própria pessoa que se dá conta e decide se quer mudar ou não. Margarida destaca que, para algumas pessoas, mudar pode ser um drama maior do que aquele que ela já está vivendo. - Ela pode ter se estruturado de uma forma para conseguir viver e, se mudasse, poderia ficar totalmente desestruturada - analisa. Hillesheim também chama atenção para o fato de que, no momento da análise das gravações, o filósofo clínico faz a interpretação literal do que foi dito. Ele exemplifica: - Se o cliente diz que gosta de sua namorada, eu não posso interpretar que ele a ama, pois não foi isso que ele disse. Para ele, o grande mérito de Lúcio Packter foi ter adaptado vários recortes de correntes filosóficas que possibilitam o clínico a trabalhar com problemas existenciais. O criador da teoria, Lúcio Packter, quase não pára mais em cidade alguma. Se, no início, era somente ele quem ministrava as aulas em Porto Alegre, hoje quase não tem mais tempo. Vive de cidade em cidade para divulgar a Filosofia Clínica e seu livro "Filosofia Clínica - Propedêutica". Para participar do curso é necessário que o aluno seja formado em Filosofia. A seleção passa também por uma análise de currículo e por uma entrevista. Atualmente, cada clínico formado tem de seis a dez clientes. As sessões custam desde R$ 30,00 até R$ 100,00, de acordo com as condições do cliente. No curso são estudados, entre muitos outros, teóricos como Aristóteles, Platão, Sócrates, Kant, David Hume, Noam Chomsky, Schopenhauer, Claude Levi-Strauss e John Locke. O tratamento pode durar poucos encontros ou chegar a um ano, com uma sessão por semana. Não passa disso. - Resumidamente, analisamos a forma dos enunciados do cliente, o conteúdo desses enunciados e o uso que ele faz disso em sua vida - conclui Hillesheim. A Filosofia Clínica cresce, mas não possui somente admiradores. Dentro da área médica e, principalmente, entre os próprios filósofos, ela encontra adversários. - Há filósofos que não acreditam na Filosofia Clínica - diz Margarida - provavelmente porque acham que Filosofia é somente teoria e nunca prática. |
|