GAZETA DO POVO ( abril de 1999)
Curitiba
por Joanita Ramos

"No Consultório do Filósofo?"

A questão surgiu há cerca de seis anos, quando o filósofo gaúcho Lúcio Packter inspirou-se no hábito europeu de procurar filósofos para aconselhamento e fundou a Filosofia Clínica que já congrega 420 filósofos clínicos pelo país. É uma forma diferente de terapia que tem pressupostos na Filosofia. O novo braço dessa ciência estará chegando em Curitiba nos próximos dias 18 e 19, via aula inaugural - ministrada pelo próprio Lúcio - de um curso com encontros eventuais que o Instituto Packter manterá por 18 meses, nas dependências da Universidade Federal do Paraná.

O filósofo clínico destaca entre as vantagens da nova forma de terapia, o fato de não colocar as pessoas numa tipologia. Nada de termos como doente, neurótico, normal ou anormal.

A terapia começa com um diagnóstico de como o cliente (e não paciente) - funciona. Para esclarecer como isso se processa, Lúcio desmistifica o filósofo "enrolado" e consegue explicar em palavras simples, expressões assustadoras para o leigo, como fenomenologia e historicidade, analítica da linguagem e empirismo inglês, que fundamentam o histórico de cada caso. "Fenomenologia é o estudo das coisas que aparecem... sem preocupações com o subconsciente ou com o inconsciente, o filósofo clínico não vai fazer o cliente reviver a dor para promover a catarse."- diz, explicando que, de acordo com a Filosofia Clínica, o "molde" para solução dos problemas é ditado pela forma como a pessoa já vem lidando com ele. "Muitas pessoas não aceitam novas abordagens, então procuramos especializar o conhecimento que ela já tem e fazê-la pensar, adaptando sua própria metodologia, se for o caso"- conta.

A forma como o cliente usa as palavras e as pronuncia de acordo com o que faz, também é analisado (analítica da linguagem). "Muitas pessoas usam as palavras, não para expressar, mas para esconder o que sentem" - exemplifica.

Outro ponto do diagnóstico vem do nomeado "empirismo inglês", que considera que as idéias se formam a partir da experiência. "Dez crianças podem ser amamentadas pela mesma mãe, nas mesmas condições, e ainda assim, guardar informações bem diferentes dessa experiência"- diz Lúcio.

A historicidade é fundamental: "Conhecendo o modo como a pessoa é e como a pessoa se relaciona é possível, de certa forma, "prever" caminhos que ela seguirá. Há, por exemplo, quem somente se aproxima de quem o machuca". Mas não seria nenhuma surpresa se o contato tão próximo do cliente com o conhecimento filosófico o levasse a apaixonar-se pela Filosofia. "Às vezes acontece"- diz Lúcio. "Atendi um rapaz que não apenas se interessou pelos filósofos, como está estudando para ser um filósofo clínico."

E o que pensam os psicólogos curitibanos disso? De acordo com Célia Mazza de Souza, orientadora fiscal do Conselho Regional de Psicologia, não há, ainda, um posicionamento oficial sobre o assunto: "o Conselho já solicitou parecer tanto de filósofos como de psicólogos e está aguardando". Mas as discussões preliminares não parecem ser nada simpáticas à nova ciência: "Tenta-se um resgate dos primeiros filósofos, mas sabe-se da utilização de técnicas pertinentes à Psicologia. O que se alega é que a Filosofia é que originou todas as ciências, mas é preciso considerar que todas elas evoluíram. Voltar às origens, seria admitir que o filósofo poderia também praticar medicina e outras ciências que tiveram também sua origem na Filosofia" - opina a psicóloga Célia.

Segundo Lúcio, a Filosofia Clínica lida estritamente com autores e escritos da Filosofia acadêmica. Se alguém nos procura com uma psicose ou esquizofrenia, desordenação total do pensamento, temos de encaminhá-la à área competente, até porque pessoas nesse estado podem colocar os outros em risco também" - expõe. Para identificar os problemas não existenciais e que, portanto, são considerados de outra competência, o curso aos futuros filósofos clínicos dá noções de neurofisiologia, farmacologia e psiquiatria. De acordo com Lúcio, não há constrangimento em encaminhar o cliente a outros profissionais, se for o caso. Ele afirma que, em Porto Alegre, onde a Filosofia Clínica nasceu, já não enfrenta mais resistências dos profissionais da Psicologia e da Psiquiatria.