FOLHA DE S. PAULO
21 de junho de 2001, quinta-feira
por Daniela Falcão
Apesar de nascida em praça pública, a filosofia afastou-se de suas origens e ficou restrita a iniciados, confinada aos muros da academia. "A filosofia era diálogo e discussão a céu aberto, em praça pública, sobre a justa vida e o bem-viver. Era o exercício da busca da harmonia consigo mesmo e da concórdia na cidade", afirma Matos, pioneira nas iniciativas pela popularização da filosofia no Brasil. Outra face deste "revival" são as tentativas de usar a filosofia para curar depressão, ansiedade e outros problemas emocionais até hoje tratados exclusivamente por psicanalistas e psiquiatras. Chamada no Brasil de filosofia clínica, a prática ainda é vista com desconfiança até por alguns filósofos, mas não pára de crescer. O filósofo gaúcho Lúcio Packter fundou há sete anos, em Porto Alegre, o primeiro instituto que treina filósofos para a prática clínica. Hoje, há filiais em mais 12 Estados. Só em São Paulo, 80 filósofos já passaram pelo curso de Packter. "Passo a maior parte do meu tempo viajando de norte a sul do país para dar palestras sobre uso da filosofia clínica", diz Packter, que, na semana passada, conversou com a reportagem, por telefone, do Maranhão, Piauí e Ceará. Apesar de não aceitarem como clientes portadores de distúrbios comportamentais graves, os filósofos clínicos são criticados pela falta de habilitação para diagnosticar graus de distúrbio. Polêmica à parte, os motivos do crescimento da filosofia clínica são os mesmos que explicam a multiplicação dos cafés filôs: insatisfação e inquietude crescentes geradas pela dificuldade em compreender o sentido de acontecimentos cotidianos. "A abordagem estritamente racional e pragmática não dá conta de responder a uma série de questões. O mundo tecno-científico lida com o como as coisas acontecem, enquanto a filosofia e a religião lidam com o porquê", diz Cortella. O fenômeno que provocou o "revival" da filosofia é o mesmo que levou ao boom da auto-ajuda e da nova religiosidade e que transformou o livro "O Mundo de Sofia", do norueguês Jostein Gaarder, em um dos maiores sucessos editorias de todos os tempos. "Em uma época em que a felicidade é sinônimo de consumo de bens materiais, em que a política encontra-se separada da economia e que tudo passa por uma decisão técnica, a noção de sociedade civil se apaga. E a filosofia aparece para restaurar o sentimento de cidadania", diz Matos. Para Heraldo Tovani, organizador do projeto Filosofia no Cotidiano, da Prefeitura de Santo André (Grande São Paulo), a filosofia está se popularizando porque traz "algumas luzes de reflexão" ao mar de "cotidiano nonsense". "Não falta só ética, falta estética. Precisa-se, neste momento, de filosofia no cotidiano e de muito cotidiano na filosofia", diz Tovani.
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