Tribuna de Minas

13 de novembro de 2004

Filosofia clínica: Conversa terapêutica

Por Fernanda Fernandes

A técnica ainda é recente, mas Juiz de Fora está prestes a ter profissionais aptos a atuar na filosofia clínica. Os interessados em conhecer esta nova forma de terapia poderão conferir uma palestra com o criador da novidade, o filósofo Lúcio Packter, que estará na cidade para a abertura do 3º Encontro Mineiro de Filosofia Clínica. O evento vai até segunda e terá várias atividades em torno do tema.

A primeira turma de filosofia clínica de Juiz de Fora deve começar a clinicar, de maneira supervisionada, no início de 2005, e estará pronta para atuar profissionalmente até o final do próximo ano, quando a técnica completa dez anos. A filosofia clínica é produto nacional, criado pelo gaúcho Lúcio Packter com o objetivo de utilizar o conhecimento filosófico para tratamento de conflitos existenciais, como depressão, angústias e ansiedade.

Diferentemente da psicanálise, que estuda o inconsciente, a filosofia clínica trabalha a existência. O processo terapêutico obedece aos critérios da lógica e do estruturalismo. O primeiro passo é levantar a historicidade do paciente. A partir daí, o distúrbio que levou a pessoa a buscar a terapia é contextualizado e deixa de ser estranho ao paciente. A técnica consiste em utilizar a fundamentação e as metodologias estruturalista e analítica para não deixar a emoção contrariar a razão.

Não há divã ou obrigatoriedade de ser aplicada em consultório. As sessões de filosofia clínica podem ser feitas ao ar livre, numa biblioteca ou durante uma caminhada, por exemplo. Também não há medicamentos ou teorias prévias sobre o comportamento do paciente, como no caso da discussão dos arquétipos na terapia yunguiana. Confira como funciona a técnica na entrevista com Packter.

Tribuna - Como o senhor criou a Filosofia Clínica?
Lúcio Packter -
O início foi difícil. Minha idéia inicialmente era estudar neurologia na Europa. Mas meus estudos prosseguiam em direção contrária. A filosofia era sempre o objeto direto de minhas pesquisas. Existia na Holanda algo denominado filosofia de aconselhamento ou filosofia prática, porém, pela natureza e orientação dos trabalhos, logo me desinteressei. Ao retornar ao Brasil, comecei a pesquisar de que maneira a filosofia acadêmica, esta que estudamos nas universidades, poderia efetivamente auxiliar nas questões humanas. Meu trabalho era realizado em hospitais do sul do país. Como boa parte de minha família era constituída de médicos, clínicas e hospitais eram os ambientes propícios ao meu trabalho, dada a familiaridade com a atividade que lá era realizada. Quando finalmente entendi que minha pesquisa estava avançada, a ponto de poder ser divulgada, anunciei o trabalho a interessados, professores meus e colegas. Em pouco tempo, o que eu denominei como Filosofia Clínica ultrapassou as divisas de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, e tornou-se o maior trabalho já realizado na Filosofia acadêmica deste país.

- Em que se baseia a filosofia clínica?
- As bases da filosofia clínica são enfaticamente a própria filosofia acadêmica. A partir dos escritos dos filósofos em fenomenologia, estruturalismo, lógica, linguagem, historicidade, e outros aspectos, o filósofo clínico, apoiado na historicidade da pessoa, utiliza procedimentos dialéticos calcados em elementos empíricos. Aos poucos, são identificados aspectos estruturais na pessoa e as especificidades correspondentes.

- E como é o tratamento?
- O processo de tratamento consiste, basicamente, na elaboração de uma historicidade da pessoa. Esta historicidade obedece a uma série de pressupostos que vão da analítica de linguagem à lógica formal. Depois, o filósofo pesquisa as relações, as disposições, as conformações, o lugar das informações na história da pessoa. Assim ele saberá o que acontece com queixas que a pessoa trouxe e que ela nomeou como sendo depressão, angústia, tristeza etc. Finalmente, após os trabalhos, que podem se estender de seis meses a dois anos, o filósofo utiliza procedimentos clínicos retirados da própria história da pessoa. Considere, por exemplo, uma enxaqueca; o filósofo clínico estudará a história da pessoa para constatar o que causou, como se desenvolveu e o que pode debelar tal manifestação. Isso porque, às vezes, a enxaqueca já é uma excelente resposta ao que a pessoa está vivendo, sendo ela mesma o remédio e não o que consideramos como doença. Uma ilustração disso é quando a pessoa tem enxaqueca justamente quando vai a reuniões burocráticas monótonas e dispensáveis, para as quais sempre é inevitavelmente convidada.

- Neste sábado, às 9h, na sede da Embrapa Gado de Leite (Avenida Eugênio Nascimento 610 - próximo ao campus da UFJF). Ingressos para a palestra a R$ 10. Informações: 8803-3484