26 de abril de 2010  

Querido colega,

Escrevo de Ilhéus, esta linda cidade de Jorge Amado, de enseadas, de cacau, litoral da Bahia. Hoje pela manhã, antes de retornar a Salvador, onde dou aulas de Neurofisiologia à tarde, fui passear com o Pe. Cristo (o nome é este mesmo) pelos pontos históricos do povoado. Apanhamos uns acarajés e sentamos junto ao mar para conversar. Entre outros assuntos, a viagem a Israel e o estado de espírito para uma jornada como esta.

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Penso que o estado de espírito para uma expedição a Israel pede essencialmente serenidade com pitadas, aqui e ali, de atenção. A começar pela entrada no país, que geralmente é enfadonha por causa do excesso de segurança. Algo compreensível, mas chato. Revistam muito e revistam tudo. (Em outro momento escreverei sobre malas, roupas etc.)

Muito diferente de uma viagem a um país europeu, em Israel o cuidado com as palavras, a reserva nos gestos, a brevidade nos modos são elementos bem vindos; o que passaria por acanhamento em Paris torna-se educação em Israel. Lembre que o país é um celeiro de fé, mais de uma fé, de povos cujas relações são historicamente tensas. Piadas, comentários, opiniões sobre tais assuntos têm um efeito semelhante ao de ir ao Rio Grande do Sul e achar que vai passar por engraçadinho ao fazer um gracejo sobre as tradições gauchescas. Lembro de uma Semana de Estudos na qual um colega de Sorocaba precisou ser socorrido no Barranco, tradicional churrascaria da cidade próxima ao Instituto Packter, após um dito espirituoso que quase lhe custou um sopapo.

Serenidade ao visitar Israel é a medida de harmonia, como é medida de harmonia aquele ar de enlevo ao se percorrer Amsterdã. A serenidade em Israel será tracionada muitas vezes pela emoção. Estaremos próximos de pedras, ventos, histórias que explicarão parte das emoções, das éticas, dos valores e das buscas que vivemos, e tudo isso em conversação com a Filosofia Clínica. Por isso, descer em Tel Aviv, nas costas do Mediterrâneo, com a mente pacificada, o coração compassado e suave, é um modo promissor de aproximação com o mundo que viveremos. É apenas a minha opinião, claro.

Acho que um país como Israel é para ser vivido sem perturbações maiores, em paz, com demora. Planejei a viagem de modo a termos velocidade de cruzeiro de navegação, não rodoviária. Há lugares que pedem silêncio e obediência cardíaca para que possam ser compreendidos.

Estou deixando para setembro e outubro as cartas mais poéticas e profundas como preparação ao que viveremos no deserto e nos ventos de Israel. Nas semanas que antecederem nossa partida, uma preparação se fará necessária. Cuidaremos disso com todo o cuidado e carinho. Por agora é o bastante apenas ter conhecimento disso.

É importante ter ciência de que o sentimento que localidades como o doce mar da Galiléia pedem é diferente daquela predisposição ansiosa que se encontra comumente na Itália ou em Londres. A doçura do espírito é condição de profundidade em Israel. Um exemplo é esta canção de Nusrat Fateh Ali Khan  e Eddie Vedder que está indexada no informativo. Respire este som por momentos e se transporte para longe, em paz.

Um abraço,

Lúcio

 

carta 10

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